Ter dois.
A noite ia já longa, avançando pela madrugada dentro como Renato Seabra pela zona testicular de Carlos Castro. José Manuel dirigia-se a seus aposentos para um merecido descanso depois de um longo turno no Hospital, onde doentes suavemente insanos decidiram jogar damas com excrementos frescos recolhidos de arrastadeiras várias, totalizando assim um pout-porri de merda com diferentes cheiros, consistências e cores.
O velhote da cama 345b, após reflectida introspecção, decidiu que a existência de fios ao seu redor não era, de todo, apropriada para uma vida hospitalar plena, pelo que puxou, arrancou e desligou tudo o que conseguiu até não restar nada mais que um cortinado preso agora por apenas 3 frágeis argolas. Entre os "fios" que arrancou e puxou, constavam uma linha central em veia profunda, uma algália de elevado calibre (grossa portanto. Daquelas que arranha só de olhar para ela e pensar que vai penetrar por um meato adentro. Completamente fora de contexto: uma vez que o hábito de ouvir conversas alheias está em mim enraizado, já por algumas vezes tive oportunidade de ouvir o termo "aRgália". Depois de arremessar um fósforo aceso para cima destas pessoas na eterna esperança que alguém as tenha regado previamente em gasolina, aumento o volume dos phones e imagino arco-íris e unicórnios para me distrair da dor), o que inevitavelmente fez com que esse mesmo senhor transformasse uma aparente cama de hospital normal numa piscina de hidromassagem do mais moderno. E com isto quero dizer que jazia afogado no seu próprio sangue. A parte da hidromassagem ficou a cargo dos impulsos nervosos que ainda lhe percorriam o corpo e faziam com que as suas pernas, ritmicamente perfeitas devo acrescentar, fossem tendo espasmos periódicos.
Isto e mais numa tarde, num turno das 16 às 0:30. Mas fujo do que me leva a escrever.
José acabara de estacionar o seu automóvel. O motor, obviamente ainda quente, contrastava com a noite que se fazia sentir, mais gélida a cada instante passado. A poucos metros de finalmente introduzir a chave na fechadura e poder deliciar-se com água quente com o mágico poder de retirar os males hospitalares entranhados no corpo, José repara numa pequena figura, não maior que uma garrafa de água (1,5L), recolhida sobre si mesma, num muro adjacente à casa do vizinho, por sua vez contígua à de José. Um gato. Um gato pequeno, assustado, visivelmente deslocado do seu habitat natural (gatinho de ter em casa, daqueles que o acto de visitar o quintal é uma aventura repleta de perigos e maravilhas). Para além de assustado, encontrava-se rodeado de arame farpado mais ferrugento que o abrir de pernas da Odete Santos. Arame farpado com origem militar, agora permanecido e rebaptizado como arame farpado universitário.
José, sendo a pessoa íntegra e de bons costumes que é, com uma educação exemplar, apesar de odiar a espécie felina, não poderia passar indiferente aos miados aflitos daquela sofredora criatura. Para além disso, José estava com a sua mais que tudo, e nunca é demais marcar pontos com as gajas.
Assim, escadote montado, luva de carregar lenha na mão (que o bicho podia saltar-me para cima todo assanhado e querer-me vazar a vista), iniciou-se então um processo gradual de aquisição de confiança, com muita festinha e conversa estúpida e pointless com o bicho em questão, sabendo de antemão que o mesmo não iria compreender (não sou uma solteirona de 45 anos).
Depois de afastar o arame farpado que ameaçava a integridade física do bicho, lá me deixou resgata-lo do muro, qual super-homem da bicharada, desci do escadote, vitorioso, enquanto o, vamos chamá-lo, Fifinho, cravava as suas unhas cada vez mais fundo na luva, que começava a revelar-se nada apropriada para o trabalho em questão.
Uma vez que o quintal de meus aposentos está separado do quintal do vizinho (a quem deduzi que pertenceria o animal, após minuciosa análise do terreno. Factos: O bicho estava imóvel num muro, sem nada para trás ou para a frente. Esse muro encontrava-se a uma distância de cerca de 4 metros da varanda anterior do vizinho. Esse vizinho é o mesmo que ouvi aí há uns tempos a praticar o bonito acto do coito, mas só entre homens, que me fez chorar durante 3 dias enquanto ouvir os melhores êxitos de Celine Dion. 2 + 2 ainda é 4 e como os panufas é que vão gostando de ter gatos como fieis companheiros, decidi devolver o bicho ao seu respectivo poiso) por um muro com cerca de 2,5 - 3 metros de altura, lá decidi que o bicho seria restituído a onde de direito.
Subi a uma armadilha de quedas presente no quintal, no dito muro (antigo canil, que homem que é homem, tem cães, e mais que um, que é mais macho) e qual o meu espanto quando constato que o quintal do vizinho é mais profundo que o meu. O que para mim são 2,5 - 3 metros, para o vizinho é o muro de berlim, sem as óbvias complicações. E, num raro acesso de capacidade cognitiva, pus-me a pensar "os gatos aterram sempre de patas, mas esta merda é alta e aquele gato em Caminha que aterrou todo junto de espinhaço depois de ter sido posto à prova e chumbado é mais que exemplo para a coisa não ser feita assim que ainda hoje lá está a marca." E lá me deitei em cima da armadilha, esticando ao máximo o braço para que o coitadinho do filha da puta do gato, que já me arrancava bocados de pele por esta altura, tivesse uma aterragem tranquila e não magoasse as almofadas nas patinhas. Do lado do meu quintal já só se encontravam as pernas. Abdómen, tronco e braços violavam a santidade da propriedade privada do vizinho. Lá consegui chegar a um meio termo e o gatinho aterrou, são e salvo.
Imediatamente após esta aterragem de sucesso, vindo do nada, com a maior das tranquilidades e estilo emanando na minha direcção um arrogante"sou da casa, quem és tu palhaço?" aparece-me um outro gato, todo branco, figura imponente, bem cuidado, soltando apenas um "miau" como que "bem vindo a casa fifinho".
O que poderá ser mais paneleiro que ter um gato como animal de estimação?
Ter dois.
A noite ia já longa, avançando pela madrugada dentro como Renato Seabra pela zona testicular de Carlos Castro. José Manuel dirigia-se a seus aposentos para um merecido descanso depois de um longo turno no Hospital, onde doentes suavemente insanos decidiram jogar damas com excrementos frescos recolhidos de arrastadeiras várias, totalizando assim um pout-porri de merda com diferentes cheiros, consistências e cores.
O velhote da cama 345b, após reflectida introspecção, decidiu que a existência de fios ao seu redor não era, de todo, apropriada para uma vida hospitalar plena, pelo que puxou, arrancou e desligou tudo o que conseguiu até não restar nada mais que um cortinado preso agora por apenas 3 frágeis argolas. Entre os "fios" que arrancou e puxou, constavam uma linha central em veia profunda, uma algália de elevado calibre (grossa portanto. Daquelas que arranha só de olhar para ela e pensar que vai penetrar por um meato adentro. Completamente fora de contexto: uma vez que o hábito de ouvir conversas alheias está em mim enraizado, já por algumas vezes tive oportunidade de ouvir o termo "aRgália". Depois de arremessar um fósforo aceso para cima destas pessoas na eterna esperança que alguém as tenha regado previamente em gasolina, aumento o volume dos phones e imagino arco-íris e unicórnios para me distrair da dor), o que inevitavelmente fez com que esse mesmo senhor transformasse uma aparente cama de hospital normal numa piscina de hidromassagem do mais moderno. E com isto quero dizer que jazia afogado no seu próprio sangue. A parte da hidromassagem ficou a cargo dos impulsos nervosos que ainda lhe percorriam o corpo e faziam com que as suas pernas, ritmicamente perfeitas devo acrescentar, fossem tendo espasmos periódicos.
Isto e mais numa tarde, num turno das 16 às 0:30. Mas fujo do que me leva a escrever.
José acabara de estacionar o seu automóvel. O motor, obviamente ainda quente, contrastava com a noite que se fazia sentir, mais gélida a cada instante passado. A poucos metros de finalmente introduzir a chave na fechadura e poder deliciar-se com água quente com o mágico poder de retirar os males hospitalares entranhados no corpo, José repara numa pequena figura, não maior que uma garrafa de água (1,5L), recolhida sobre si mesma, num muro adjacente à casa do vizinho, por sua vez contígua à de José. Um gato. Um gato pequeno, assustado, visivelmente deslocado do seu habitat natural (gatinho de ter em casa, daqueles que o acto de visitar o quintal é uma aventura repleta de perigos e maravilhas). Para além de assustado, encontrava-se rodeado de arame farpado mais ferrugento que o abrir de pernas da Odete Santos. Arame farpado com origem militar, agora permanecido e rebaptizado como arame farpado universitário.
José, sendo a pessoa íntegra e de bons costumes que é, com uma educação exemplar, apesar de odiar a espécie felina, não poderia passar indiferente aos miados aflitos daquela sofredora criatura. Para além disso, José estava com a sua mais que tudo, e nunca é demais marcar pontos com as gajas.
Assim, escadote montado, luva de carregar lenha na mão (que o bicho podia saltar-me para cima todo assanhado e querer-me vazar a vista), iniciou-se então um processo gradual de aquisição de confiança, com muita festinha e conversa estúpida e pointless com o bicho em questão, sabendo de antemão que o mesmo não iria compreender (não sou uma solteirona de 45 anos).
Depois de afastar o arame farpado que ameaçava a integridade física do bicho, lá me deixou resgata-lo do muro, qual super-homem da bicharada, desci do escadote, vitorioso, enquanto o, vamos chamá-lo, Fifinho, cravava as suas unhas cada vez mais fundo na luva, que começava a revelar-se nada apropriada para o trabalho em questão.
Uma vez que o quintal de meus aposentos está separado do quintal do vizinho (a quem deduzi que pertenceria o animal, após minuciosa análise do terreno. Factos: O bicho estava imóvel num muro, sem nada para trás ou para a frente. Esse muro encontrava-se a uma distância de cerca de 4 metros da varanda anterior do vizinho. Esse vizinho é o mesmo que ouvi aí há uns tempos a praticar o bonito acto do coito, mas só entre homens, que me fez chorar durante 3 dias enquanto ouvir os melhores êxitos de Celine Dion. 2 + 2 ainda é 4 e como os panufas é que vão gostando de ter gatos como fieis companheiros, decidi devolver o bicho ao seu respectivo poiso) por um muro com cerca de 2,5 - 3 metros de altura, lá decidi que o bicho seria restituído a onde de direito.
Subi a uma armadilha de quedas presente no quintal, no dito muro (antigo canil, que homem que é homem, tem cães, e mais que um, que é mais macho) e qual o meu espanto quando constato que o quintal do vizinho é mais profundo que o meu. O que para mim são 2,5 - 3 metros, para o vizinho é o muro de berlim, sem as óbvias complicações. E, num raro acesso de capacidade cognitiva, pus-me a pensar "os gatos aterram sempre de patas, mas esta merda é alta e aquele gato em Caminha que aterrou todo junto de espinhaço depois de ter sido posto à prova e chumbado é mais que exemplo para a coisa não ser feita assim que ainda hoje lá está a marca." E lá me deitei em cima da armadilha, esticando ao máximo o braço para que o coitadinho do filha da puta do gato, que já me arrancava bocados de pele por esta altura, tivesse uma aterragem tranquila e não magoasse as almofadas nas patinhas. Do lado do meu quintal já só se encontravam as pernas. Abdómen, tronco e braços violavam a santidade da propriedade privada do vizinho. Lá consegui chegar a um meio termo e o gatinho aterrou, são e salvo.
Imediatamente após esta aterragem de sucesso, vindo do nada, com a maior das tranquilidades e estilo emanando na minha direcção um arrogante"sou da casa, quem és tu palhaço?" aparece-me um outro gato, todo branco, figura imponente, bem cuidado, soltando apenas um "miau" como que "bem vindo a casa fifinho".
O que poderá ser mais paneleiro que ter um gato como animal de estimação?
Ter dois.
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