terça-feira, novembro 22, 2005

Who decides my level of insanity?

Dia 9

Mais um turno recheado de pérolas do mundo psiquiátrico.
Começando por constatar os factos que se vão observando ao longo dos dias: muitos dos casos de tentativas de suicidio são relacionados com o casamento. Dou o exemplo de uma senhora que se sentia seguida pelo marido. Esta senhora usava tops curtos e um "cinto" e após uma semana de se juntar com o actual marido andava de gola alta e calças. Esta mesma senhora, com um filho ainda pequeno, refere que já não aguentava mais a constante perseguição por parte do marido e pergunta "porque é que me salvaram?". Dá que pensar, o nível de desespero a que uma pessoa pode chegar, ao ponto de querer tirar a própria vida, deixando para trás alguém que certamente sentirá a sua falta, um filho que a própria afirma ficar bem entregue com as suas irmãs...
Outra situação que observo, felizmente, não comigo mas com as minhas colegas, é o assédio constante por parte de alguns doentes. Confesso que, se fosse comigo, iria-me sentir lisonjeado e tal, um homem gosta sempre de ouvir um elogio por pate de uma mulher, mesmo que tenha os olhos semi-cerrados e se babe um bocado por causa da medicação. Mas compreendo o "terror" pelo qual as minhas colegas (especialmente uma, que faz os turnos comigo) passou nestes dias.
O M, doente esquizofrénico, mecânico de profissão(ou não), o tal jovem que referi no post anterior ter-se tentado suicidar por pensar que o amigo era o Diabo e ele Deus, cada vez que via a dita colega soltava um sorriso muito lascivo, até aqui tudo normal, ou quase...Certo dia:
M: "Olaaaaaaaaa!"
Colega: "olá"
M: "Tás tão bonita!"
Colega: "..."
M: "Dá-me um beijinho!"
Colega: "Não dou(com um sorriso meio falso, misturado com nervosismo)"
M: "Dá-me lá um beijinho!"
Colega: "Ó M, não dou, porque é que havia de dar?"
M: "Porque eu gosto de ti!"
Colega: "Pois mas eu não dou"
M: (olhando para mim com um ar algo raivoso): "mas a ele dás, que eu sei!"
Eu: "A mim? Ela tem namorado e eu conheço-o!"
M: "Tá bem, tá!"

Este foi um dos muitos diálogos alegres e vivaços relativamente ao dá-não-dá-beijinho que nos envolveu, sendo que sobrava sempre para mim porque, lá no fundo, o M sabia que ela me dava beijos a mim...


Dia 10

Hoje tive notícia de uma aproximação "especial" entre dois dos doentes internados. O que não sabia é que o elemento masculino desta aproximação, um senhor já internado algumas vezes, na altura do último internamento "amanhou-se" dentro do serviço, saindo do serviço com uma namorada nova. No presente momento, deixou a namorada no exterior, foi internado e não perdeu tempo...já arranjou um novo "amanhanço". Doido?

Agora mais a sério, o que os doentes nos dizem por várias vezes, especialmente quando os antipsicóticos começam a fazer efeito, acredito veemente que seja verdade. Frases como "fico pior cá dentro", "esta gente põe-me maluco" ou "isto é só malucos" fazem cada vez mais sentido.
Senão vejamos, uma pessoa que comece a apresentar-se mais orientada, mais calma, com um discurso coerente e coordenado começa a aperceber-se com mais clareza do que se passa à sua volta. E aí acredito que comecem a desesperar pois muitas das coisas que se observam são tudo menos normais...


Dia 13

Hoje lembrei-me de um episódio de Gato Fedorento.
O senhor G é um senhor muito desorientado, com ideias muito confusas. É um senhor de são Tomé e Príncipe que veio para Portugal para tratar a sua perna e por força das circunstâncias foi desaguar ao Hospital Júlio de Matos.
Cada vez que me via pedia-me um cigarro, apesar de lhe dizer a toda a hora que não fumava. Chegava a pedir-me um cigarro, dar a volta, voltar para trás porque se tinha perdido e "Chefe, arranja um cigarro".
Ao almoço pedia sempre vinho, respondia-lhe que vinho só verde(água del cano), umas vezes bebia e gostava, outras nem por isso.
Desconheço se este senhor conhecia a senhora minha mãe, mas o certo é que me perguntava muitas vezes "A sua mãe tá aí?"
No dia em que teve alta, depois de todos os dias afirmar que se queria ir embora e que o filho estava lá em baixo à sua espera (a todas as horas do dia) uma enfermeira pergunta-lhe:
enf: "Senhor G, está contente por se ir embora?"
Senhor G: "Mas eu vou para onde?"
...genial...

Uma curiosa curiosidade:
Senhor A: "Andei a vender laranjas porta a porta na altura das eleições, a fazer publicidade sem saber e o PSD ganhou, não pode ser coincidência!!!"


Dia 15

Diálogo entre um médico e um doente, que o questionou relativamente à terapêutica injectavel prescrita:
Médico: "Quer-se ir embora?"
JC: "quero"
Médico: "Tem de levar as injecções"
JC: "Isso é uma ameaça???"
Médico: "Por acaso, até é."
JC: "Então está bem"


Present time:
Por casa durante 3 dias, merecidos!!!
Ontem vi a sequela de Deuce Bigalow e, sinceramente, não gostei nem um bocado. Já esperava pouco de Rob Schneider, mas algo tão mau, esperava esboçar alguns sorrisos, tal como no 1º filme. Piadas batidissimas, diálogo sem nexo, diálogo sem piada, nada de novo, tudo de mau. Desaconselho.

Para terminar, algo que me arrepia por completo e me faz ponderar seriamente o internamento voluntário no Hospital no qual me encontro a estagiar, Júlio de Matos de seu nome...o penteado mundialmente conhecido como "mullet", do qual falei num post ainda nas férias, que, em Benidorm era o expoente máximo do engate, está a chegar a Portugal. Começo cada vez mais a ver espécimens a usar o cabelo desta maneira, e ao mesmo tempo que sou invadido por sentimentos de raiva e agressividade, sobe-me sempre à boca um bocado do almoço ou jantar, conforme a hora do dia...por isso, aqui fica um aviso: ESSA MERDA USOU-SE NOS ESTADOS UNIDOS NOS ANOS 80! E MESMO AÍ NUNCA FOI FASHION! Mesmo que cortem o cabelinho à "foda-se" ou à "mete nojo" é aceitavel...mullet é muito, muito mau!

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