sexta-feira, dezembro 02, 2005

Crazy? Or just awake?





Dia 19

Hoje o "meu" doente teve alta, o tal doente que fiz referencia num post anterior que no primeiro dia de estágio estava agitadíssimo, muito desconfiado, muito agressivo. Sinceramente, era um doente do qual tinha algum medo, não fosse eu contrariá-lo nalgum aspecto e ele não achar muita piada.
Pois bem, apenas posso dizer que os antipsicóticos fazem maravilhas.
Ate aqui ainda não me tinha apercebido das implicações do uso de antipsióticos, não tinha parado para pensar sobre o que verdadeiramente fazem. Sei que, e de modo a não maçar muito, os antipsicóticos são usados para controlar alucinações, ideias delirantes, agitação e agressividade e que, para além de fazerem o "bem", são detentores de inúmeros efeitos secundários, entre eles boca seca, sedação, obstipação, retenção urinária, vista turva, náuseas, entre outros. Daí surgirem os antipsicóticos atípicos, ou de segunda geração, que, apra além de controlarem os problemas referidos, não são afectados por efeitos secundários em igual proporção que os antipsicóticos típicos.
Lições à parte, o senhor A, ao ter alta, despediu-se de mim com um abraço e disse que nunca se iria esquecer o que eu tinha feito por ele, tendo depois agradecido pelo mesmo.
Ao despedir-se, distribuiu beijos por todas as enfermeiras, especialmente as estagiárias, referindo "vou aproveitar agora que posso"...


Dia 20

Foi-me atribuido outro doente, o senhor PM, e confesso que, até agora, dos estágios que já passei, foi o doente que me "arrepiou" mais conversar, especialmente acerca do motivo que o levou ao Júlio de Matos.
Primeiro que tudo, uma nota introdutória, sempre acreditei no paranormal, tal como sempre fui x-files freak, motivo pelo qual ostento uma tatuagem com um dos originais crop-circles que surgiram antes de existir empresas para aí direccionadas.
Continuando, o senhor PM afirma que, de há dois meses para cá, a mulher (falecida há 4 anos) lhe paira sobre a cabeça, bem como o seu irmão e tios (todos falecidos), pedindo-lhe para ir ter com eles, lançando-lhe veneno continuamente, daí usar um lenço tapando-lhe o nariz e a boca. O seu diagnóstico actual é depressão psicótica.
Ao conversar com este senhor fiquei arrepiado e deu-me que pensar...até que ponto as alucinações são alucinações? Este senhor internou-se voluntariamente(!) porque ao ínicio ficou muito contente por ver a mulher mas depois apercebeu-se que ela lhe queria o mal. Até que ponto podemos traçar uma linha entre o normal e o patológico? O real e o delírio?


Dia 21

Hoje entrou uma senhora com um problema que todos temos, mas que muitos nem damos conta...perturbação obesssiva compulsiva. Quantos de nós não voltam para trás para verificar se a porta do carro está bem fechada, ou se as chaves não ficaram na porta de casa, ou se o fogão ficou ligado, ou o ferro? Esta senhora apresenta este comportamento a nível da limpeza, tendo de ser observada de perto na realização desta actividade. Neste dia, depois de escovar os dentes, pegou na toalha e começou a secar a boca...esfregou, esfregou, esfregou, até que um enfermeiro a interrompeu e lhe disse que já chegava, tendo a senhora retorquido "tenho comida na boca, estou só a limpar"...


Dia 22

Hoje falei novamente com o senhor PM e questionei-o acerca das suas "alucinações", informou-me que já não via a mulher, apenas ouvia, e apenas ao longe. Perguntei-lhe se se sentia confortável para retirar o lenço da cara, respondendo-me que era um pouco desconfiado...assim, combinei com ele para no dia seguinte, ao pequeno almoço, tentar retirar, a ver vamos...


Dia 23

Abordei o senhor PM ao pequeno almoço e perguntei-lhe como se sentia, disse-me que estava melhor, apenas ouvia a voz, muito distante. Fiz nova pergunta, referente à possibilidade de retirar o lenço da cara, sendo a resposta positiva, este senhor pouco fala, mas retirar o lenço foi suficiente para o ver esboçar um sorriso...
O dia de hoje foi, na sua maior parte, de compras para o serviço, o enfermeiro chefe abordou-nos e "pediu" para nos deslocarmos ao continente do vasco da gama para comprar árvores de natal para decorar o serviço. Fomos, comprámos, regressámos, vestimos a farda novamente...erro! O enfermeiro chefe abordou-nos novamente e informou que faltavam as luzes, toca a despir a farda e vestir "à civil" para uma incursão pelas lojas da especialidade de Alvalade, e aqui fica a minha crítica às lojas dos chineses desta zona...material natalício muito reduzido, bastante precária a variedade de enfeites e derivados "arvorescos". Daí termos visitado 5 lojas orientais e mais 3 ou 4 diversas, em busca dos enfeites de natal "just rights".
Ao voltarmos ao HJM, em plena Avenida do Brasil, quase no centro da dita, encontramos um dos doentes a vaguear, enquanto os carros atravessavam à velocidade normal para aquela avenida, ou seja, nada que se pareça com a velocidade dos carrinhos de choque da feira popular de sobral da adiça. Eu e a minha colega iamos dando em malucos(estas piadas....), chamámos por ele e levámo-lo para o pavilhão...ia apanhar um táxi e ia para casa. Ao mesmo tempo, uma doente também ela do serviço, tentava a sua fuga no portão "de trás". Doente essa com ideias suicidas e, curiosamente, tentava dirigir-se para a segunda circular...
Explicando, os dois tinham-se dirigido a outro pavilhão para uma entrevista de reabilitação, ao acabar, um enfermeiro disse para esperarem, um outro alguém colocou os doentes na rua porque "estava na hora do almoço". E se tivesse acontecido o pior? A responsabilidade?
Enfim, neste dia tive o meu primeiro acidente em Lisboa, NÃO PROVOCADO POR MIM! Uma marcha-atrás mal calculada por parte de uma senhora que terminou num pisca partido e na traseira de um rover "riscadinha", tendo ainda a senhora (muito simpática e justa) insinuado que eu é que tinha avançado com o carro...

Até dia 4 estou por casa, e volto para Lisboa apenas para voltar dia 13 ou 14...está quase no fim e ainda mal começou.
Abraços e beijos a todos(as) que me acompanham

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